quarta-feira, 22 de junho de 2011

Agora, e na hora de nossa morte, Amém...

Quinta-feira de Corpus Christi, enquanto escrevo, ouço o Réquiem de Fauré, que já vinha ouvindo durante a semana...  Bem, o assunto da semana já podem adivinhar... Nada muito lúgubre ou tétrico, afinal, o que seria da vida sem a morte?



Minha avó paterna chamava-se Felina, exótico nome para exótica senhora. Morou conosco até mudarmos do Rio de Janeiro para o Paraná. Não quis ir conosco, “se ainda fosse Para Cá, ou para lá... Mas Paraná... Não vou, não.” Dizia isso desdenhando,  assim como fazia com o Piauí, a fim de implicar com minha mãe. “Ainda se fosse pro Melhor ir... Mas pro Pior ir... Não vou não!”

Era filha de Maria, congregada Mariana, e todos os títulos católicos que pode uma leiga ter... O que não a impedia de ser geniosa e sistemática, aliás como só as carolas sabem ser. Daí talvez o fosse exatamente por isso... Se o hábito faz o monge, a devoção faz a beata.

Foi morar com meu tio Lourival... Levou junto sua mortalha, afinal, católica que era, tinha tudo pronto para o momento de ir falar com Deus, a roupa para ser enterrada, velas bentas para serem acesas, enfim o cortejo quase todo pronto...

A morte não vinha, fazia-se morosa; como diz minha mãe, ela não vem pra quem a está esperando. E antes de se saber que orelhas e narizes continuam crescendo por toda a vida, minha mãe achava que era “porque gente da orelha grande vive muito.” E D. Felina as tinha enormes...

Como a morte não vinha, os netos aumentavam... Minha avó, cansada de esperar, resolveu que não ia mais morrer. Rasgou a roupa de vestir do próprio enterro. A mortalha virou fraldas para os netos. As velas foram acesas na primeira falta de luz, naquele tempo que a companhia energética ainda era a Light and Power Company.

O tempo passou, e um dia minha tia Maria oferece a ela uma sopinha, que tinha acabado de fazer. “_Agora não, obrigada, mais tarde eu peço!” Deitou-se para a “siesta” e ao acordar, chamando por minha tia, pediu-lhe:
_Me dá agora um pouco daquela sopa...?
E minha tia: _Ah, D. Felina os meninos comeram tudo, a senhora espera só um pouquinho que eu já faço outra.
_Ah, não Maria, pode deixar. Não dá mais tempo não...
_Mas não dá mais tempo de quê, D. Felina?
_Não nada não... Deixa... E foi deitar-se novamente.

Minha tia retirou-se para a cozinha e foi fazer nova sopa, no que entreteve-se um bocado de tempo; só quem não cozinha, ou utiliza-se de sopas de pacote pode achar que sopa é algo rápido e fácil. Pois bem, sopa pronta foi lhe levar. Colocou no prato fundo, sobre o raso, arrumou na bandeja e assim levou para sua maior comodidade. Ao chamar-lhe... Estava morta... Morreu com fome.

Foto: Djair - Tapete de Corpus Christi - Morro do Ferro - MG.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Tú me ensinas a fazer renda$$$, que eu te ensino a namorar.

Bem, finalmente acabou a farra do boi de compras para o "dia dos namorados”. Sim, é mais uma data comercial inventada para vender bombons, flores e o que os valha, embora hoje com o consumismo em alta e a felicidade em baixa, os presentes e os desejos sejam cada vez mais caros, tecnológicos ou “pops”. Da bolsa de grife aos “I” Sejam I pad, I pod, ou qualquer traquitana tecnológica da moda, para ser usada, ou como vi acontecerem casos próximos, apenas pra se dizer que tem...


Outro dia em uma rede social vi um comentário ótimo sobre a data, a moça dizia: “E daí que vou passar o dia dos namorados sozinha? Também não passei o dia da árvore com uma sibipiruna e nem o dia do índio com o Raoni.* ” Certamente que não, e provavelmente nem com o Paulinho Paiakan.** 

Mas o mais estranho é aquele tipo de gente que fica desesperada porque não tem ninguém para passar o dia dos namorados junto. E segue a máxima de antes mal acompanhada do que só... E tome bate-papos na internet no jogo do vale tudo para não estar só.

A mãe de um antigo amigo, divorciada por anos, arrumou namorado e, depois de batalhar transferência de emprego, mudou de estado, aliás, de região, para estar perto do que lhe parecia ser o homem de sua vida. Menos de uma semana depois estava de volta, frustrada e só. Ao pedir que lhe apresentassem alguém, nessa busca para por alguém no lugar do recente ex, acabou casando-se “de papel passado e tudo”, com o primeiro que apareceu, sem importar-se com o abismo sócio-cultural e econômico que os separava. Pois é, daí a menos de dois anos estavam já às turras e com processo de separação litigiosa. E ao arrumar nova paquera, faz com que num acesso de ciúmes, vingança ou seja lá o que seja, o companheiro ainda oficial se atire ao novo suposto namorado e o mate...

Um amigo, muito querido, abandonado pela esposa, viajou em férias para casa dos pais no norte do país; na bagagem de volta traz uma namorada com pouco menos que a metade de sua idade. Logo de cara ela se esbalda nas compras e se afasta da cama... Alertado por amigos das pequenas traições cotidianas, afasta os amigos após confrontá-la, e ela negar e finalmente transar com ele... O relacionamento acaba quando ele flagra a traição e após despachá-la de mala e cuia, começa a frequentar boates, e logo se “arruma” com uma mocinha, bem novinha, bem bonitinha, bem suburbana e beeem disponível com quem se engraça. A mudança dos rincões da cidade para os Jardins se faz sem demora. Resumindo o caso, cujos detalhes sórdidos deixamos de lado, novas traições, chantagens, e a depressão aguda se apossa de nosso querido carente que, por fim, contrai uma tuberculose, doença dos românticos e acaba por deixar sua alma voar para longe deste mundo terreno que não estava preparado para ele.

E os casos multiplicam-se a perder de vista... A amiga que descobre a dias do casamento que o noivo era casado, o canalha que pede duas em casamento em diferentes cidades, a que junto ao marido viaja sempre a trabalho para encontrar amantes mais jovens, o moralista de ultradireita que é pedófilo e corrompe as afilhadas da esposa...

Há mesmo aquela que abomina homossexuais, “que lhe roubam o parceiro e que poderia ser um companheiro maravilhoso, mas que bandeou pro outro lado.” 

E esta última lembrança se contrapõe totalmente com o que vi ontem ao assistir uma entrevista da atriz Glória Pires. Ouço-a responder uma capciosa pergunta sobre sua opinião a respeito da recente aprovação da lei de união civil entre parceiros do mesmo sexo. Se apoiava ou não. Ao que ela afirma que teve a incrível sorte de ter um relacionamento maravilhoso com uma pessoa que a completava. Já que é tão difícil encontrar alguém assim, e nunca se sabe se esse alguém vai ser um homem ou uma mulher que o possa fazer feliz, logo só poderia apoiar. 

Com ou sem dia dos namorados. Torno a repetir que, como dizia a mãe de Raimunda Pinto***, a esta mesma personagem, na peça homônima: “Casamento, minha filha: É igual topada... acontece!”
 
* Raoni Metuktire, líder dos caiapós, é um dos índios mais conhecidos no Brasil e no exterior por sua campanha em defesa do povo indígena e da floresta. Nos anos 1990 foi alçado a celebridade pela proximidade com o cantor britânico Sting.

** Benkaroty Kayapó,  cacique da aldeia Aukre dos índios caiapós no sul do Pará, ícone indígena do ecologismo acusado há alguns anos,  de junto com a esposa Irekan, ter  estuprado uma estudante, foi condenado. Paiakan, como era conhecido, chegou a ser  apontado pelo jornal estadunidense The Washington Post, como The man who would save the world. (O homem que poderia salvar o mundo.) Por sua atuação em busca de um modelo ecologicamente equilibrado na exploração dos recursos florestais da Amazônia.

***  “Raimunda Pinto, Sim Senhor!”, do dramaturgo piauiense Francisco Pereira da Silva (Chico Pereira), traz como tema o êxodo rural e conta a estória de uma jovem cearense, negra, feia, pobre, leporina (lábio defeituoso) que abandona o agreste para vencer na vida, fazendo sucesso mundo afora. 

Foto: Djair - namoradeira na janela.