quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Salve latinha

            Aquele dia, à noite, brincávamos na rua, que era uma rua em “L” sem saída, onde poucos tinham carro; afinal, naqueles anos 1970, carro era um artigo raro, e o ar das cidades muito melhor, assim como o transporte público, o trânsito, a educação das pessoas, mas enfim, a rua era larga e propiciava um lazer ótimo, eram piques, queimadas, garrafões, mãe-da-mula, balança caixão, e tantos outros que realmente faziam nossa alegria e com que fossemos assim, íntimos, de uma intimidade sem malícia e uma proximidade irmã.
            A brincadeira daquela noite era “salve-latinha”, uma espécie de esconde-esconde, onde jogávamos uma lata à maior distância que nossos pequeninos braços podiam, e quem estava na vez tinha que ir buscá-la, na maior carreira possível, afinal era o tempo que tínhamos para nos escondermos. Lata na mão, lá vinha o caçador, e a postava no local determinado, em geral quase ao meio da rua, a uns dois metros em linha reta do poste, onde ficava pousada ali, enquanto quem estava na vez, procurava os escondidos, ao  “achar” o escondido, corria até a latinha e batia com ela no chão por três vezes, dizendo: fulano está em tal lugar. Cada um dos encontrados ficava junto ao outro, que se mantinha com uma das mãos no poste, formando uma corrente e esperando a salvação. Caso o acusado corresse mais, pegasse ou chutasse a latinha, estaria salvo, ah, e o primeiro a ser achado, seria o “buscador” na próxima rodada; em compensação, se o último conseguisse se salvar e tocasse a mão do último que estivesse na “corrente de meninos” salvaria a todos os outros, e recomeçava-se a brincadeira com aquele jogando a latinha e o mesmo menino ficando de buscar os demais.
            Minha casa ficava depois do cotovelo do “L” que a rua formava,  sendo que os fundos davam para o quintal da casa da Ana, filha de nossa vizinha da direita, cujo nome já não tenho na memória, mas que  se lembra da imagem dos presépios que ela montava. Bem, Ana, que fora morar ali logo depois de se casar, cortava caminho com o consentimento de meus pais, pelo quintal de casa, subindo uma escada que meu pai colocara ao fundo do quintal, logo atrás do abacateiro, para este fim, pois a rua de cima ficava num nível mais alto. 

            Não lembro quem jogou a latinha aquele dia, nem recordo-me quem foi buscá-la, só sei que corri, corri pela avenida (era onde iniciava-se o “L” e onde jogávamos a latinha) no sentido contrário ao que ela foi jogada, me escondi num vão e esperei que o buscador entrasse na rua, continuei e dei a volta na quadra, entrando pelo quintal de casa, desci a escadinha esbaforido, fui até a esquina e me abaixando via já uma longa fila de meninos junto ao poste. Voltei em casa, peguei um lençol novo que minha mãe tinha comprado por aqueles dias, embrulhei-me todo, coloquei uma peruca de minha mãe, peguei no quintal um bastão, algum cabo de vassoura provavelmente, enverguei a coluna e lá fui andando imitando um andar claudicante...
            Passei pelo buscador, que guardava a penca de meninos vigiando ao meio da rua, já que faltava apenas um, do qual ele estava determinado a não deixar se aproximar e muito menos salvar os demais... Nisso só ouvi alguém dizer: deixa a velhinha passar... E o buscador afastou-se e, como um relâmpago, corri a todo fôlego, dei a mão ao último menino, chutei a latinha e salvei a todos. Fizeram uma algazarra tremenda, e eu, sentindo-me vitorioso, era ovacionado pela molecada. Quem disse que não há momentos coroados?

10 comentários:

  1. Esses dias estava lembrando tb o quanto brincávamos na rua... ah, bons tempos!

    Adriana Loche

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  2. -Infância é assim mesmo, do jeitinho que você descreveu, DJAIR. As brincadeiras de criança variam de região para região e sofrem alterações de tempos em tempos, mas a essência é a mesma.
    -Sou grato a você, pois a leitura de seu texto trouxe-me de volta momentos preciosos de minha vida.
    Luiz Otávio de Lima Pereira

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  3. "que tempo bom que não volta nunca mais..."


    Alex.'.Araújo

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  4. Que delicia ouvir e voltar nos bons tempos. Gosto de ver as crianças brincar de esconde esconde e depois eu vou e falo onde estão. Vivi também uma fase gostosa, brincando na rua de passa anel, de escorregar com uma tabua encerada na rua tucuna,,,,,,No bairro de minha infância na pompéia. Enfim boas lembranças. Hoje as crianças ficam no computador e mal brincam na rua outros tempos. Valeu muito me fez viajar e muito obrigada viu!!!!!! beijos Carminha

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  5. q máximo!!! nunca brinquei de salve latinha...rsrsrs acho q era só p/ menino né? eu brincava de cozinhar...fiz muita comida imaginária...rsrsr deu saudade desse tempo Dja...

    Sil

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  6. Quando éramos crianças em São Paulo eu e meus quatro irmãos dividíamos um quarto em nosso apartamento, onde dormíamos, estudávamos e brincávamos, uma bagunça. Tudo mudava nas férias e feriados quando viajávamos à Minas. Em Serrania, uma cidade de mais ou menos 3.000 habitantes, hospedávamos na casa de tios, que por sinal tinha uns 6 a 7 quartos. Eu, meus irmãos, primos e amigos brincávamos o dia inteiro no pomar ou no quintal, todas as brincadeiras imagináveis: pique, queimada, esconde-esconde, pula-corda. A rua era destinada a passeios ou corridas de bicicleta. Que saudade!!!!

    Djair, seu safadinho, fiquei pensando se sua mãe não ficou brava por você ter pego um lençol novinho em folha... Você deve ter ficado uma figura de peruca....

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  7. E...seu Djair, sempre brindando-nos com uma forma de recorrer ao passado! Incrivel... você faz a gente se transportar a tal rua e despertar lembranças! nota mil como sempre

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  8. E...seu Djair, sempre brindando-nos com uma forma de recorrer ao passado! Incrivel... você faz a gente se transportar a tal rua e despertar lembranças! nota mil como sempre

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  9. Parabéns meu amigo, por nos colocar no túnel do tempo. Bravíssimo. Saudade desse tempo.

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  10. sim e muito bom esta brincadeira

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