Aquele
dia à tarde nos reuníamos na casa de Marco, gim com coca-cola
(naquele tempo eu ainda não sabia que era bem melhor com água
tônica); o grupo era pequeno mas animado, o papo fluía solto e as
risadas podiam ser altas e escancaradas tal como só fazemos quando
realmente entre amigos, sem censuras ou controle. E assunto não nos
faltava, entre petiscos e goles as narrativas frouxas se sucediam com
viço. A varanda permitia que brisa fresca amenizasse o calor, e ali
divertíamos nós, embalados por músicas que gostávamos, e uma hora
Marco colocou um CD de Mercedes Sosa: àquele tempo era assim,
Mercedes Sosa na casa de Marco, já na casa de Anna, ouvíamos Elis à
beira da piscina e tomava-se whisky, que aliás nunca aprendi a
gostar. Se era na casa de Otaviano, tomávamos vinho e ouvíamos a
trilha de Blade Runner, na de Socorro Simone, na de Elizabeth
Caetano, em casa era Cazuza, Legião Urbana e Marina, e assim nossa
trilha musical era diversificada, e todos gostávamos das referências
uns dos outros, bebíamos as bebidas que eram oferecidas, e
variávamos comes, bebes e sons.
Mas
àquele dia era a ameríndia quem tocava nas caixas de som colocadas
na varanda, onde nos espalhávamos na rede, nas almofadas, nas
cadeiras, enfim... A voz forte embalava nossos comentários sobre
ela, sobre sua oposição ao presidente da Argentina, seu país,
Carlos Menem, que naqueles anos era paparicado por outra estrela,
esta não da música, mas dos programas infantis, no Brasil, Xuxa, a
quem ele também se derretia em elogios e segundo constava na época
chegara a lhe propor casamento, mas enfim...
Ouvíamos já a terceira ou quarta faixa do disco quando entra à varanda, saído de dentro da casa, o irmão de Marco, caçula, já temporão, devia ter seus 9 ou 10 anos e pergunta sobre a música: _Marco, isso aí que vocês estão ouvindo, isso é macumba em inglês, é?
E Marco:
_Não, isso aí, é Mercedes Sosa!
_E ela
canta assim desse jeito porque?
_Porque
ela canta para libertar os povos da América Latina!
_Ah,
entendi! E tu vai ser libertado, vai?
_Vou sim!
- responde sorrindo!
_E o Zé
Roberto, vai? - referindo-se ao irmão mais velho.
_Ah, o Zé
Roberto não vai não, porque ele não gosta das músicas dela...
Um
instante de silêncio e o irmão caçula confessa:
_Xi,
Marco, acho que eu também não vou ser libertado não...