quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Aniversário, uma festa pra te lembrar o que te resta

“Aniversário é uma festa pra te lembrar o que te resta.” A frase de Millôr Fernandes publicada na revista Isto É, àqueles anos 1970/80, trazia como ilustração uma pessoa que, enquanto assoprava as velas do bolo, por uma vidraça alcançava com os olhos a paisagem de um cemitério...

Na verdade é isto o que é... Uma música de Moacyr Franco falava em versos: “Só se vive mesmo nove meses, pois o resto da vida a gente morre”. Tem gente que adora fazer aniversário, tem gente que detesta; a mim, a mais das vezes, é um dia como outro qualquer, embora sempre prepare um bolo e alguma comidinha caso apareça alguém: afinal, vai que alguém lembre...

Em tempos de facebook e outras redes, a lembrança vem na forma de aviso em sua própria página, o que facilita a vida de todos. Uma vez, de chiste, coloquei o meu aniversário em outra data, surgiram cumprimentos, e a quem lembrava que a data não era aquela dizia eu que estava carente e por isso tinha feito o gracejo, vai ver era até verdade. Outra feita, coloquei a data em primeiro de abril, recebendo outros tantos cumprimentos.

Além de ser uma festa pra celebrar o que nos resta, celebramos também a falsidade, gente que passa por você o ano todo sem olhar na cara e que nessa data vem cumprimentar. Tem coisa mais falsa do que aquele beijinho dado no ar, sem lhe tocar o rosto? Prefiro os abraços, os apertos de mão, mas recebo também aquele de bom grado, como toda e qualquer manifestação de afetos; afinal sou mal-humorado, não mal-educado. 

Coincidentemente, calhou de ouvindo uma seleção aleatória de músicas me vir aos ouvidos “O tempo não para” de Cazuza. Agenor vai fundo na questão: o envelhecimento, a elasticidade da pele que perde colágeno e enruga, os cabelos grisalhos cada vez mais presentes como prova física e visível de que o tempo não espera que você esteja maduro. E como a música percebo que “dias sim, dias não eu vou sobrevivendo sem um aranhão da caridade de quem me detesta”, enquanto recebo os parabéns de quem veio se certificar de que vim trabalhar no dia seguinte ao Natal. E percebo que me encaixo no exato tamanho da frase seguinte: “Eu não tenho data pra comemorar”. O gênero me cabe pela pouca importância que aprendi dar à data; o número pelo dia da data que concorre com a do Cristo, na qual um dia antes todos já se empanturraram com os quitutes da época e querem mais é um arroz branco e jiló pra compensar a comilança sem fim; o grau, pela ausência natural da maioria dos amigos, colegas e conhecidos que estão fora aproveitando emendas de feriados e não poderiam vir caso eu resolvesse dar uma festa.

Poucos amigos, porém fiéis, vêm abraçar-me, recebo alguns presentes, e assim segue, ano a ano. É o que deve acontecer mais tarde, já que escrevo em hora de almoço, que curti só, na copa, comendo marmita. Afinal, outras vezes em últimos dias de férias ou regresso daquelas, esperava ter companhia para almoçar e tive que ir só aos restaurantes do bairro; então pra que arriscar, trago minha comida, mais saudável e saborosa, e como em paz sem grandes riscos.

O bom é que vai levar mais um ano pra acontecer de novo. E se desta vez esqueci o celular, não achei de todo ruim, quem sabe se torne hábito nesta data querida. Talvez encará-la (a data) assim seja realmente felicidade, sem enganos de vida.

E aí, o Tempo que não para de Cazuza me lembra de outro tempo que não para, o de Roberto Carlos: “O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece”... Envelheço, e me enterneço com algumas das mensagens que recebo: será sinal da idade? O fato é que me alegro com essas manifestações, tanto que estou a escrever sobre o fato, a data, a efeméride tão efêmera. E então só me resta dizer: Obrigado.

Fotos: Marciano Azevedo, que é também o autor dos bolos, verdadeiras obras primas.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Promoção: Vermelho amargo

Para comemorar 20.000 acessos o Prajalpa faz sua primeira promoção, o sorteio do livro Vermelho amargo de Bartolomeu Campos de Queirós, edição da Cosac Naif.


Vermelho Amargo, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2012, traz algumas das mais belas metáforas que li nos últimos tempos, e por essa e outras qualidades foi escolhido para esta primeira promoção no blog.  Denso sem perder a suavidade, o autor narra em primeira pessoa sua infância, marcada pela ausência da mãe, e o cotidiano da convivência com a madrasta alheia à vida dos enteados, os quais vão rareando à medida que crescem e deixam a casa quanto a vida do narrador ainda mais vazias.



"Agora, mas desde sempre, não moro bem dentro do meu corpo. (...) Vivo numa casa geminada. Intruso, pareço inquilino em vias de despejo. Não abro janelas ou destranco portas."


A promoção vai até às 23:59 hs do dia 11/01/2013. O sorteio será realizado através da Loteria Federal, sorteio do dia 12/01/2013, sábado. Sendo consideradas as dezenas finais.

REGRAS:
1 – Ser seguidor (público) do blog - Se ainda não é, clique aqui:  http://migre.me/cwFVW. 
2 – Deixar um comentário abaixo com nome completo e cidade, citando também o país caso acesse do exterior.
3 – Os números para o sorteio seguirão a ordem numérica à medida em que postarem os comentários; não serão aceitas inscrições feitas fora desta postagem.
4 – Cada leitor receberá apenas uma dezena correspondente à ordem da inscrição. Não havendo ganhador no prêmio, automaticamente passará a contar o segundo e assim sucessivamente; não havendo ganhador até o quinto prêmio, um novo sorteio será realizado.
5 – O sorteado terá 3 dias úteis para responder à mensagem que solicitará os dados para a entrega dos livros; não havendo resposta, o prêmio passa ao segundo colocado.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Não estou

E aí tem aqueles dias em que você quer ficar quieto, deitado, com a cabeça coberta e como diria irmã Chiquinha, beata de há muito perdido o contato, e que talvez com o tempo tenha perdido a fé: “Hoje se pudesse não via passar nem uma mosquinha na minha frente...” Mas ledo engano, será nesses dias que mais vão mexer com você, cutucões de toda espécie, farpas verbais, virtuais, e de azagaias, convites a comemorações infundadas, análises sobre você, sobre seus ditos, textos, pensamentos e omissões. Por sua culpa, sua tão grande culpa, sua máxima culpa. E ainda haverá argumentos: “Tu és responsável por aquilo que cativas!” Que Saint-Exupéry arda no inferno por isso.
Mas como tudo passa, um desses cutucões de repente pode ter o poder de tirá-lo deste estado de inércia. “Agir, agir, detesto essa palavra: agir” - uma fala do dentista sádico, Dirceu (personagem de Ari Fontoura) em “Mar de Rosas” filme de Ana Carolina – frase, filme e personagem recorrentes nesse blog. E aí, aproveitando o filme, a imagem de Betinha, personagem de Cristina Pereira no mesmo filme, vem com força. Na cena, em um posto de gasolina, ela pergunta ao frentista se a bomba está cheia, ele diz que sim, ela pergunta: “_Por aqui?”, com a mão na garganta. Ao que o outro confirma e ela em tréplica diz: “Eu tô por aqui”, colocando a mão acima da cabeça.
E pronto, o último cutucão (aquele que lhe tira do estado de inércia, faz brotar uma cascata de sentimentos represados, a custo é bem verdade, e na forma de um suspiro, ou impropérios ditos em alto e bom som, ou em pensamentos) esvazia o que estava “Por aqui”, o saco! Ou como diria uma amiga dos tempos que vivi em Cezídia: o ovário. Aliás era algo que admirava nela, sempre dizia: “Hoje tô de ovário cheio, ou tal coisa é um pé no ovário!” Saco!
E assim, como um cutucão, exorcizo esse “saco cheio” com um texto, bom? Não! Tem valor literário? Não, mas está aí, serviu para desestressar, como o ato de regar plantas com mangueira em dia de chuva, como mandar quem enche o saco ir fornicar, ou melhor, ser fornicado com aqueles adjetivos tão bem conhecidos de todos nós.
Cada um tem sua válvula de escape, escrever, cozinhar, comer, trepar, correr, e tem gente que a válvula (e aí já é patológico) é sair gastando além das posses, para suprir talvez um complexo de inferioridade exacerbado. Qual a sua?

 Foto: Djair - Museu Botânico - RJ

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Os dias


Tem dias que sorrio,
Tem dias que sou dor
Como hoje
Apesar do sol e calor
Pois quando escrevem sobre tristeza e sentimentos duros,
os homens gostam de dizer que lá fora chove.

Tem dias que sou pleno
Tem dias que sou oco
E esse oco dentro de mim é a mais das vezes inabitável de sentimento,
não como ocos de troncos de árvores, onde corujas fazem ninhos,
e meninos guardam tesouros,
mas o mais profundo e escuro oco.

Tem dias que me sinto só
Tem dias que mais do que me sentir, tenho a certeza de que o sou.
Não nasci pra ter vida fácil,
e embora o riso se estampe muitas vezes em minha face feia,
ele é uma máscara que esconde esgares.

Tem dias que quero ir embora
Tem dias que me passam ideias e vontades de ser andarilho, louco e mendigo.
Tem dias que as poltronas de veludo que me aconchegam me irritam
e quero rasgá-las à faca, à força, despejando municipal raiva.

Tem dias que o sol brilha, mas é noite.

 
 Foto: Djair - Relógio do apartamento 101,  rua dos correeiros 171. Lisboa - Portugal

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A morbidez do viver


Alguns nascem fazendeiros, donos de muitas terras. Outros nascem para ser enterrados em covas rasas, de terra seca, onde não brotará uma flor. Onde mal apodrecem são despejados para dar lugar a outro miserável, defunto de mais fresca data. Já os primeiros, habitarão mausoléus em mármore e granito, com vasos e anjos de bronze, e por fim... Apodrecerão do mesmo jeito.
Uns viajam o mundo, relaxando nos confortos da primeira classe, enquanto tantos vivem em sarjetas e marquises disputadas os  palmos, a tapas...
Uns fumam havanas e cachimbos esculpidos em madeiras nobres, outros catam bitucas de cigarro às beiras das calçadas e fumam crack em latas de alumínio idem.
Uns sonham com grifes finas e enormes brilhantes, luxos que enchem os olhos, outros com um bom bife e um refrigerante, luxos que enchem barriga.
Perdulários e pedintes, Pin-ups e Piriguetes, o podre de rico e o que apodrece. Sem sonhos, sem justiça, sem chance.


Foto - Djair - Ruínas de templo romano em Évora - Portugal.