sexta-feira, 31 de maio de 2013

Estilingadas.

A verdade é que nunca matei passarinho algum, nem sei se algum menino da rua o fez, mas andávamos sempre armados com nossos estilingues. Era um sábado ou domingo à tarde quando meu pai nos chamou e fomos passear no morro que ficava a cerca de uns dois quilômetros de casa. Na verdade, a área era de uma fazenda de criação de gado, mas só os víamos da janela de casa, uma vez que a propriedade era imensa, num tempo que a vida era horizontal. Talvez por isso eu até hoje sinta falta de horizonte diante de meus olhos, e hoje chore por dentro a cada vez que chego à janela da sala de TV e não veja mais a pequena igreja amarela, de S. Benedito, que tinha à vista quando compramos a casa que ora habito.

Já tínhamos ido ao morro uma ou duas vezes, sempre com meu pai e minha mãe, fazer piqueniques e passar as tardes ensolaradas daqueles 1970... Para se chegar ao morro atravessávamos um ribeirão que certamente hoje virou esgoto a céu aberto, ou pior, um esgoto canalizado, mais um morto pelo progresso, mas naqueles tempos, o atravessávamos por uma pinguela, minha mãe, meu irmão e eu, enquanto meu pai ia por dentro do riacho com a água que chegava a ter certa correnteza à altura da cintura. Ele nos dava as mãos e atravessava um depois o outro, pois a pinguela era pequena e não queria que caíssemos e molhássemos roupas, lanches e a máquina fotográfica com seu filme em branco e preto que tirou tantas fotos que já não mais existem...

Do outro lado do ribeirão a grama era baixa, o gado nunca vinha até lá, a sede da fazenda ficava do outro lado do morro cujo topo era nosso limite. A primeira vez que fomos ali foi por causa de uma imensa árvore morta, escura e que se impunha no cimo descampado. Na rua, onde brincávamos livres, rezava a lenda que era mal-assombrada, e por isso mesmo meu pai quis levar-nos lá, para que meu irmão e eu perdêssemos o medo da tal assombração, daquela e de outras...

Mas, lá voltávamos dessa vez atrás de uma forquilheira, que segundo explicou meu pai era a árvore que dava muitos galhos e por isso formava muitas forquilhas para que assim fizéssemos nossos estilingues. Como sempre, andamos muito, lanchamos, nos divertimos, e na volta trazíamos nossas três forquilhas. O elástico de borracha era fornecido por uma vizinha que era enfermeira, pois naquele tempo para as injeções na veia ou retirada de sangue se usava uma espécie de borracha elástica, amarela e cilíndrica. A pecinha de couro que envolveria a pedra a ser lançada foi feita com a língua dos sapatos de couro que ficavam velhos e sem uso mas ainda estavam por ali.

Treinávamos a pontaria em latas de óleo no quintal, lembro bem da lata de “óleo salada”, redonda, onde o nome da marca vinha escrito em amarelo num fundo negro ovalado, e o resto da lata toda em pequenas listras, alternando o amarelo e o preto; haviam outras, quadradas e de outras marcas, e as colocávamos em filas de três no quintal, uma para cada um acertar, e quando o fazíamos era algazarra geral das três crianças (meu pai incluso), sob as bençãos do olhar alegre e sorriso largo de minha mãe.

Mas à noite, sós com os meninos da rua, brincávamos de guerra em trincheiras feitas naturalmente por restos de construção em um terreno que havia logo à entrada da rua. Passávamos através das grades e ali era o campo de batalha onde, armados com nossos estilingues, coisa que todos tínhamos, mas só o meu e o de meu irmão confeccionados por nós, com a ajuda de nosso pai, e então municiados com enormes cachos de mamona, colhidos ali mesmo, às vezes correndo para nos abastecermos ante a saraivada de bolinhas verdes peludas que eram atiradas pelo exército inimigo, fechávamos a noite em risos e estardalhaços, suados, sujos, aliás imundos, guardando as armas antes do banho e do dormir em paz, alegres e satisfeitos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Coisas de escola II - O hospital


Ao final do quarto ano primário tínhamos que fazer o Vestibulinho, para ter acesso ao ginásio, tão sonhado. Naqueles anos 1970 não havia escola para todos e esses recursos eram aplicados a largo. Também não havia esse amontoado de escolas particulares – como hoje em que há mais de uma por quarteirão em certos lugares, tanto que a algumas universidades digo: Aquela é a melhor faculdade do Bairro... Mas muitas vezes, é só da quadra.
O colégio pretendido por todos era o Polivalente... Ficava bem mais distante, mas que fazer? era o melhor... Evaldo, meu colega desde o segundo ano, com o qual repartia a carteira dupla, e eu estávamos ansiosos... Na semana da prova, desmaiei, ou quase isso. No domingo, meu pai ao estranhar a quietude e entrar no quarto encontrou-me em estado catatônico. Eu sentado, olhos abertos, babando... Não lembro nada que se passou naquele dia, lembro apenas de ter acordado no dia seguinte (não sei se era o seguinte ou outro) debaixo do chuveiro, a tomar banho. Uma enfermeira ou auxiliar me explicou o que havia acontecido; devo ter ficado meio dopado...
Problemas renais, disseram. Não sei qual... nunca mais tive, mas àquela semana fiquei internado, nada de sal, muito embora algumas das enfermeiras me dessem escondido da sopa dos outros meninos da pediatria. Lembro que me divertia muito com eles, éramos cerca de 4 ou 5, e apenas um, que tinha a perna inteira queimada e não podia levantar-se, não participava de nossas anarquias naquele parque de diversões asséptico. Afinal, éramos crianças, sem ter o que fazer a não ser repousar e brincar, já que não havia classe hospitalar ali. Aliás, àquela época nem se pensava sobre isso, pelo menos não abaixo da linha do equador.
À tarde, minha mãe vinha me visitar, à noite, voltava com meu pai; traziam-me gibis, doces, batata frita sem sal... Uma das vezes, um pudim (de leite) inteiro, que ela lógico mandou-me dividir com os coleguinhas e com as moças da enfermagem.
A cada colega que recebia alta ficávamos tristes em separarmo-nos. Já nossos pais se alegravam e esperavam fossemos os próximos. Não lembro os nomes dos demais, apenas de Rômulo. Mas a perna queimada do outro colega também está presente em meu arquivo de memórias, assim como o fato de ter sido devido a brincar com álcool. Lembro-me também de seu rosto cheio de sardas, ornando com o cabelo ruivo.
Saí de lá e fiz o tal “vestibulinho” na “Escola Estadual Alberto Giovannini” e passei com boa classificação. Lembro ter errado a pergunta sobre a lei do divórcio, que não soube ser autoria do Nélson Carneiro; isso em conhecimentos gerais, mas as que acertei não me lembro de nenhuma... São daquelas coisas que ficam gravadas, como a de conhecimento gerais que, mais de 30 anos depois, ao fazer prova de concurso público encontrei: causa da morte de Cássia Eller, cantora: Erro médico. Desta vez acertei-a por gostar da cantora, a qual cheguei a assistir shows.
Evaldo, meu colega de tanto tempo, foi para o Polivalente e daí nos distanciamos... Às vezes penso que, se voltar um dia àquela cidade, àquele bairro, talvez o encontre naquela ruazinha, na lateral do Grupo Escolar... Devaneios improváveis...
Como muita gente, amigos ou não, dele fica uma lembrança boa.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Coisas de escola.

O nome da escola era Grupo Escolar Prof. Padre Deolindo Coelho, e assim colocávamos no cabeçalho todos os dias, junto às demais instruções, data e localização: Coronel Fabriciano, MG.
Àqueles tempos as escolas públicas tinham ensino melhor que o das particulares, pelo menos assim rezava a lenda, já que os colégios particulares eram conhecidos como PPP = “Papai pagou... Passou”. Talvez recalque de nós que não as podíamos frequentar. Talvez um misto de ambas as coisas.
Usamos shorts curtos, azuis; camisa branca, de botões; congas e quichutes, numa terra onde ainda não havia tanto consumismo nem tantas opções de marcas de tênis, e ao invés de demonstrar padrão financeiro, tratávamos de proteger os pés. Talvez por isso até hoje eu seja avesso a tal consumo, achando absurdos os preços que se pagam hoje por pares de tênis que, a despeito de conforto e design, muitas vezes servem apenas para os enfiar aos olhos alheios, e por eles há quem pague o correspondente ao salário básico de várias categorias.
Mas voltando à escola, escrevíamos a lápis... E quão grande era nosso desejo de utilizar caneta, ah, como gostaríamos, mas não se podia até o terceiro ano.  Nossos pequenos luxos eram os cadernos espiralados, “cadernos de arame” como os chamávamos... desprezando as brochuras que nos serviam tão bem. Nas capas papel pardo, com nossos nomes... E aí, eis que surgiram... os chamados cadernos universitários, bem diferentes dos de 400 páginas de hoje! Eram infinitamente mais finos e vinham com folhas coloridas, em três cores, a saber: verde, amarelo e um tom horrível de rosa.
Evaldo era o nome do meu melhor amigo, estudamos juntos do segundo ano à quarta série. As carteiras eram feitas para duplas facilitando assim relacionamentos e interações, que se desenvolviam e tornavam-se as primeiras amizades.
Foi nessa época que surgiu a história da “loura do banheiro”, sobre a qual falei em uma postagem mais antiga, na qual também descrevo a paineira que tínhamos (nós, os alunos e funcionários) no jardim, à direita de quem entrava no colégio e que sempre me vem aos olhos das lembranças ao rememorar o grupo escolar, em sua arquitetura militar, que dentro formava um enorme quadrado com um imenso pátio, onde o cimento, símbolo de progresso, imperava.
Um dia na sala de aula, que chamávamos: classe, apareceu em giz colorido o palavrão: “buceta”. Em letras maiúsculas, e D. Iris explicou-nos pedagogicamente: aquilo era uma palavra de baixo calão, ou seja, uma forma de se expressar usada por pessoas mal-educadas, e que servia para designar o órgão sexual e reprodutivo feminino. O nome correto daquela parte da anatomia era: vagina. Apagou o escrito dizendo que pessoas educadas não usavam aquela palavra, e portanto não devíamos fazê-lo, a não ser que quiséssemos que tivessem má impressão de nossos pais. E não se falou mais sobre o assunto.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Aun que vayamos al cine.


Pode ser que tenha quem goste, eu detestei a mudança nos cinemas, já ocorrida há meses, de vender ingresso com cadeira marcada... Primeiro, a medida supõe que você conheça a sala; como em geral vou ao Espaço Unibanco, aliás, agora tem nome de outra agência bancária, e as salas do shopping Frei Caneca e do Conjunto Nacional também já as conheço, sei suas disposições, mas ainda assim o fato me incomoda.
Shampoo, o "Urso do cabelo duro". -
Hanna-Barbera
Se alguém chega à sua frente, com um penteado “a la”  Shampoo, o "Urso do cabelo Duro" (ou de chapéu com cones altos, e acredite, isto acontece...) você não tem a opção de mudar de lugar pois o do lado ou à frente pode estar vendido para outro infeliz que talvez tenha que aguentar um imbecil a cada cinco minutos acendendo a luz do celular para ver quem mandou mensagem ou deixou recado (e lá vai o sabre de luz jedi novamente irritar a quem apenas queria ver um filme em paz). Também não se pode esquivar da dupla que atrás de você insiste em conversar, ou da fulana que abre chocolates um atrás do outro, o filme inteiro. Você comprou aquele lugar, azar o seu... se o fulano atrás mete o pé às costas de sua poltrona, ai de ti... Lamente-se, olhe pra trás com a cara feia e até reclame, mas... aquele é seu lugar.


Sim, sim, depois do filme começado, em tese se pode mudar de lugar... Se há lugar vago. Será? E se chega o dono do assento ainda que começado o filme e quer o lugar? Afinal é dele, levante e peça desculpas, retorne àquele círculo do inferno destinado aos que pecaram contra o ato de querer ver a película em paz.

Foto: Djair - Cine Glória - S. João del Rey - MG
Eu que sou chato? Ok. Nunca o neguei, e é por isso que cada vez vou menos ao cinema, por mais que goste... Não à toa recentemente, um rapaz que assistia a um filme na sala Petrobras – Cinemateca Brasileira – conseguiu expulsar aos berros da sala um infeliz que insistia em atender celular e conversar durante a sessão. Sim, eu gostaria de fazê-lo muitas vezes, mas não sou capaz, engulo a raiva contida e sei que ela fará mal a mim.
Como grande parte das projeções hoje também é eletrônica e não em película, e as salas cada vez mais diminutas, melhor assistir em casa, sem barulho, sem gente chata (o chato sempre acha o outro chato), e quase no mesmo tamanho de tela.