quinta-feira, 25 de julho de 2013

Um passinho a frente por favor...


Pela manhã no ônibus um velho senhor, em pé, visivelmente alterado, falava em altos brados retumbantes, sem parar. Contava sobre o filho marginal e sobre as próprias tentativas de suicídio, dizendo que queria morrer, mas Deus não deixava, e que era a fé que o salvava, pois já pulara do terceiro andar e não morreu – só não explicava se a fé era tanta porque não a usava para melhorar a própria situação... mas enfim, contava casos e mais casos a duas senhoras que vinham também nos bancos especiais, do outro lado do corredor, o lado onde ele se apoiava. Uma determinada hora a mais nova começou a responder que ele deveria tentar com mais ênfase, em vez de pular o terceiro andar que se jogasse do último, que aí dava certo. Ele bradando falou da vez que se jogou na frente do carro e ela imediatamente redarguiu: mas não faz uma coisa dessas, pula na frente do metrô que dá mais certo, carro dá tempo de frear, metrô é tiro e queda. Aí ele falou que o filho já colocara racumim em sua comida, e nem assim ele tinha morrido, e ela: Ah, mas porque ele não usou chumbinho?
Logo em seguida a mulher desceu, desejando-lhe sorte na próxima vez.
O tal senhor sentou-se finalmente, aquietou-se e dormiu...

   ***
 Estávamos em Teresina (PI), naquele calor de mais de quarenta graus, esperávamos o ônibus, que chegou cheio (nada que se compare ao Jardim Miriam – Vila Gomes, linha da cidade de SP que é capaz de curar a carência da mais rejeitada e complexada das criaturas). No segundo banco logo à frente duas senhoras, bastante acima do peso, espremiam-se no banco insuficiente para seus tamanhos, todos passando por elas para tomar lugar depois do cobrador, onde estava mais vazio. Eis que uma delas, a do corredor vira-se para a outra e começa o comentário:
“_Olha fulana, eu detesto pegar ônibus essa hora, e todo mundo grosando na gente, se esfregando, ou são essas mulheres das bundonas, ou esses velhos das barrigonas, ou então são esses rapazes das rolonas.” 
 ***
 Fazia um infernal calor em Recife por aqueles dias. Sempre tive a impressão que a “Veneza brasileira”, ou como dizem seus críticos moradores “a Venérea brasileira”, tem mania de grandeza: tem a “Maior Rodoviária do Nordeste”, mas fica em Jaboatão dos Guararapes; segundo maior Centro de Convenções do Brasil, mas em Olinda; a Avenida Caxangá, segunda maior avenida em linha reta da América Latina, e por aí vai... 
Bem, mas era um calor imenso e estávamos na Av. Conde da Boa Vista, dentro do ônibus lotado, que já tinha percorrido a Caxangá desde a Cidade Universitária e ia com destino a Boa Viagem, quando ele quebrou, na terceira faixa da avenida. Uma reclamação, murmúrios, brados, ranger de dentes e o motorista não queria abrir as portas por estar na terceira faixa... Uns alegavam que tinha que abrir pois se quebrou... Ele argumentava que tinha que dar um jeito de encostar... Foi quando algum gaiato lá no fundo gritou: “Abre logo motorista, que tá pegando fogo aqui atrás...” O espírito zombeteiro não precisou repetir uma segunda vez, o pânico instalou-se e em dois minutos as portas foram “levadas no peito” pelos passageiros, e só não teve feridos porque o sinal estava fechado...
 ***
 Esperávamos o ônibus em frente ao terminal intermunicipal de ônibus de Teresina, aquele lugar que a julgar pelo calor, deve estar bem perto do inferno. No ponto de ônibus um bêbado a prosear com quem lhe desse atenção enchia o saco e os ovários de quem tinha que esperar condução, e nessas situações é que o transporte coletivo parece falhar de vez, mesmo numa cidade planejada como aquela.
Como naqueles anos 1990, muitos rapazes vinham a São Paulo, assim como iam a Rio, Recife, Brasília em busca de melhores condições de trabalho, aliás, de trabalho, qualquer que fosse, afinal naquele segundo reinado de Fernando Segundo, o Henrique, emprego era coisa um tanto rara por aqueles lados. Mas enfim, eles vinham e depois de um ano, ou até menos, voltavam com jeans novos, óculos estilo rayban legítimo, das bancas da Av. S. João ou Ipiranga, e... inevitavelmente levavam com eles um enorme rádio-gravador com dois decks, àqueles tempos, última moda em aparelho de som, pelo menos no interior do nordeste e em AE Carvalho e Baixada Fluminense. Era o passaporte de volta: depois de três meses, o dinheiro acabava, eles vendiam os gravadores e compravam a passagem para ir de novo...
Um deles chega com o som no ombro, enorme, ligado. E o bêbado acha logo interlocutor:
“Muito bonito o seu aparelho de som!”
 “Obrigado!”
 “Muito bonito mesmo! Mas pode abaixar que ninguém aqui tá gostando dessas músicas suas aí não... Pode ir baixando, que ninguém aqui tem ouvido de penico não...”
Sabe-se lá porquê o rapaz obedeceu, possivelmente para evitar confusões, ou mesmo por sentir-se constrangido com a reprimenda do bêbado. Logo veio seu ônibus e foi-se ele embora com seu potente equipamento. Nisso o bebum olha e vê outro rapaz, cheio de pulseiras e colares dourados, e então puxa papo novamente:
“Tá vindo da Serra Pelada é?”
“Não é de lá não, mas é de um outro garimpo, sim senhor.”
E o “pudim de cana” estende a conversa:
“Muito brilhosas essas suas pulseiras e esses seus anéis...”
“Obrigado!”
“Você não quer trocar essas suas correntes e pulseiras aí por um casal de cachorros doidos que eu tenho lá em casa?”
“Moço, o senhor sabe por acaso quanto custa só uma dessas correntes aqui?”
“Ah, é? E por acaso você sabe quanto valia meu casal de cachorros loucos antes de ficarem doidos?”
Nisso chegou meu ônibus e fiquei para sempre sem saber o fim da estória...
 Dá licença, que vou descer no próximo!
 
Foto: Bonde, ainda usado como meio de transporte em Lisboa, cidade com eficiente setor de transporte coletivo, ônibus, barco, bonde, trens, metrô, um não substitui o outro, soma-se ao outro.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Colocando mais um texto no ar.

E não adianta: tem dia que não sai nada, você pensa em vários temas, procura daqui, fuça de lá, mas a musa não aparece. Onde é que foram parar todas aquelas estórias que há pouco se faziam apresentar como ótimas ideias para um texto novo? Não sei, fugiram estropiadas, esconderam-se entre escombros, abismos.
 
Nenhuma palavra de ordem, seja de movimento libertário ou carcerário, nada se impõe, nada fixa ou atravessa dando luz, ou sequer fazendo sombra. Almas não deixam rastros, por mais que se digam que algumas delas arrastam correntes. E talvez aí esteja um mote, já que me ocorre que a mais das vezes quem carrega correntes são os vivos, gente que se agarra a elas e se escraviza, prendendo-se, fixando-se em realidades que dizem não gostar: o emprego tosco, os carguinhos de merda das pequenas chefias, os que se ufanam de ser chefe de nada; os pequenos poderes que podam vidas alheias, os martírios de casamentos infelizes nos quais a coragem de se separar e de se jogar na pista pra negócio não vem, pois o acomodamento a uma relação fracassada em que não se suportam as mútuas presenças é mais interessante a certos olhares padrões que arriscar, que perder tudo (o quê? malas e sacos de infelicidade compartilhada?), e começar do zero, com a possibilidade de ser feliz...

E o texto que começa sem um rumo vai tomando o seu próprio, tomando emprestadas as correntes desses vivos (?) que as arrastam, mas usando-as para acorrentar uma narrativa fugidia, que sem um élan arrebatador toma emprestados sentimentos em tom talvez de crítica ou de alerta, e não tem exatamente um fogacho narrativo, mas que cresce aqui e ali, quando vemos que as correntes podem ter utilidades outras, como as que se prendem às realidades passadas ou a futuros fantasiosos, como forma de suportar realidades das quais ainda não se consegue fugir.
Correntes são feitas de elos, e um ou outro sempre é um elo fraco que se pode arrebentar. Guimarães Rosa disse: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.” E esse amor não surge necessariamente por uma outra pessoa, nem por si próprio, mas por um objeto, um animal, um prato; é um recreio, que sana, que faz com que a vida pulse, ainda que a chama sofra pelos ventos que uivam e ameaçam apagá-la. Mas se até o amor for causa de uma situação insuportável, as correntes se tornam grilhões, essas correntes são escravizantes e não porto seguro. Liberte-se então, anarquize-se, seja!



quinta-feira, 4 de julho de 2013

Expectativas


Expectativas, e quem não as tem, quem não as cria e alimenta, independente do outro, das condições de vida, de trabalho, de estudo, de possibilidades reais...?
Gêmea da esperança, aquela que dizem é a última a morrer, mas que como já disse aqui é a primeira que entra em coma, a expectativa é algo próximo à Maya dos hindus, a ilusão...  Criamos e acreditamos em nossas próprias expectativas por mais que pessoas e situações se posicionem contrárias a elas... O relacionamento que o outro deixa claro que não é um compromisso, o emprego esperado ao qual acreditamos ter feito uma bela entrevista, a transferência de funções que depende da aprovação de outros.
Também o desenrolar de fatos, o apoio para estabelecer condições favoráveis de trabalho, a cumplicidade de amigos, a parceria proposta que não mostra ter duas vias. Mas seguimos acreditando, alimentando, substituindo e fazendo puxadinhos, na ânsia de manter viva aquela ilusão do jogo no qual cremos, faremos o gol, por melhor que seja o time adversário e por mais superioridade que tenha o goleiro em seu ofício.
Alguns iniciam relacionamentos amorosos, onde traçam todo o desenvolvimento e o desenrolar que culmina em finais felizes, filhos alegres, família de comercial de margarina, sem que o casamento de objetivos seja feito antes, sem sincronização de tempos, cada qual com seu cronômetro. E por isso mesmo a ruína é dolorida...
Há aqueles que assumem uma chefia esperando dos demais colaboração, para que todos possam orgulhar-se do trabalho realizado, do espaço, da gestão, que nunca é feita por um só mas pela soma de esforços, e antes que tome assento se percebe a má vontade, o não querer de mudanças, nada que abale confortos e modus operandi. Em suma, um subentendido: Não me dê trabalho, ainda que seja para melhorar minhas condições de realizá-lo.
Outras mudanças são mais globais, de todo um estilo de vida; traçam-se planos, elaboram-se operações diversas, ajeita-se de forma mnemônica toda uma vida, mas... não depende apenas de si a realização, e toda esse energia gasta se transforma em frustração profunda, e aí a mudança toda é de energia, pois de um momento ao outro, o sentimento de vitória torna-se fracasso.
São experiências, que como disse uma amiga são a única coisa que nunca irão conseguir tirar-nos. Então o que nos resta? Transformar essas experiências em aprendizado, ir com mais calma, não por tanta energia em fatos não consumados, um degrau por vez... É fácil falar, e antes que o texto fique mais piegas e se assemelhe a crônica de revista semanal de conselhos ou filosofia de almanaque, fiquemos cá, que a reflexão aponte o que falta nas palavras.
 
Foto: Djair - Br. 262 Vitória -Belo Horizonte.