quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O frio dos infernos

Quando Balôla faliu, naqueles dias de miserê, naquele calor moroso e sem avexação de Cezídia, onde só em Macondo, Cuiabá e Teresina se é capaz de sentir igual, ela vendeu seu aparelho de ar condicionado, luxo para poucos naqueles idos anos 1980, para Helena, que então passou a viver na frescura.

A traquitana é viciante para alguns, já comigo nunca fez sucesso – irreconciliáveis, não nos damos bem. Se está em um ônibus interestadual, por exemplo, sempre tem algum acalorado em dias de andropausa a pedir para deixar mais frio; aprendi daí, a das poucas vezes que utilizo o meio, a levar comigo uma cobertinha, uma manta, um lençol, ou o que o valha. Pois valei-me Deus, sou calorento, mas o frio daquilo me entra pelos ossos, irrita, incomoda...

Por vezes, em cinemas, já passei frio por aquilo estar num mínimo do termostato, e me enfureço então não só com os falantes do escuro que teimam em narrar o filme – embora ele seja sonoro e ainda por cima dublado.

Em Maceió, Alagoas, certa vez, foi um inferno em vida as três noites de pousada na praia de Pajussara, que no seu chiquê, acreditado pelos donos e pelos que acham o artefato sinônimo de comodidade e conforto, só dispunha de quartos com o tal ar-condicionado... E eu insone acordava para desligá-lo e dali a pouco, num calor dos diabos, acordava para ligar novamente sem conseguir regular a artimanha do rabudo que deveria também apenas ventilar... Só que não... Talvez por isso parti antes da data prevista e em Penedo, nesse mesmo estado, vibrei não só pelo bolo de aipim que a auxiliar da dona da pousada disse estar a fazer para o café da manhã do dia seguinte, mas principalmente por ter quartos com ventilador, um aparelho se também não sou fã, que aceito a brisa de bom grado quando se faz necessário. Dispensei sem titubear, para o espanto do hospedeiro, os quartos mais chiques do segundo andar, com seu luxo friorento. Sabe-se lá se não me consideraram miserável, que isso pouco me importa, mas acomodei-me no primeiro dos quartos do térreo – sem o dito cujo. Que dias maravilhosos, que noites agradáveis, que cidade fantástica!

Uma época tive um imbecil na sala em que eu trabalhava na qual, graças aos deuses, todos eles, não tinha ar-condicionado. Já o tal sujeito vinha praticamente todos os dias com seu perfume doce e um casaco grosso, pois acalorado que se sentia, tinha que ligar o ventilador, colocando-o fixo, direcionado a ele e ligado no máximo. À hora do almoço, tirava o tal casaco e colocava-o no encosto da cadeira e... não, não desligava o ventilador, saía deixando-o ali, ligado... Era eu então quem o desligava, já que não fazia sentido algum ele ali a girar indefinidamente – afinal, o moço também sempre se atrasava para voltar do almoço. Quando chegava... colocava o casaco e de pronto punha aquelas três hélices em funcionamento.

Zizi, que também não é chegado no bicho, indo ao Rio por missão de trabalho, ficou num hotel cujos quartos todos tinham o tal danado. À noite, sem dormir com um barulho de goteira –
impossível de acontecer naquele meio do prédio com vários andares acima e abaixo – depois de olhar o chuveiro e as torneiras, abre a janela e verifica... Os tais aparelhinhos, um em cima do outro, simetricamente, a formar uma fila indiana, desciam por toda a extensão lateral do edifício... Só então entendeu o recado na porta: “É proibido colocar toalha em cima do ar-condicionado.” Bem, para resolver o caso, pegou um copo no frigobar e o pôs sobre o seu artefato congelante, aparando as gotas que a caixinha de metal barulhenta de cima teimava em mijar em cima da sua, logo abaixo.

Já no Riazor, um hotelzinho modesto no Catete, também no Rio, eu achei bem simpático que o ar fosse ligado da portaria no momento em que se pegava as chaves, já no quarto bem fresquinho, desligava-o para me deliciar com a água farta e quente da ducha abençoada pelo aquecimento central.

Indo há pouco fazer um eletrocardiograma e exame de esteira encontrei a sala geladíssima. Ao comentar com duas auxiliares de enfermagem que conduziriam o exame que elas deviam sair dali doentes com tanto frio, elas de imediato começaram também a amaldiçoar a invenção. , por ser sistema central, nem tinham jeito de reduzir a friagem. Como eu também não gostasse, fizeram uma sabotagem: abriram duas vidraças que pareciam lacradas e fizeram entrar um pouco do abençoado calor que vinha de fora. Agradeci a cumplicidade e lamentaram que tão logo eu saísse teriam que fechar novamente.

É como diz o Jair: se as igrejas vendessem o inferno como um lugar gelado, com certeza convenceriam os fiéis muito mais que com as chamas e os caldeirõezinhos a ferver!

Foto: Internet - Uso livre  - disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ce/Air_Condition_Unit_Interior_View_USA.jpg

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Uma música na cabeça

E aí, que é uma daquelas madrugadas em que você acorda insone, e com uma música na cabeça, daquelas renitentes, e que não consegue tirar, vai ao banheiro, volta à cama, levanta e vai fazer um chá, e ela ali, a voz da cantora, o mesmo refrão que persiste, insiste, resiste num looping progressivo, repetitivo, exaustivo... Ainda bem, que desta vez, pelo menos a voz e a música são boas: Vanessa da Mata.

“Ainda bem” é o nome da música, “Ainda bem. Que você vive comigo. Porque senão. Como seria esta vida? Sei lá, sei lá..” Pronto, passei o vírus pra você não foi? Um grande amigo sempre que falo que estou com uma música na cabeça se apressa sempre em dizer: “_Então não canta, senão passa pra minha cabeça.” Às vezes não dá pra resistir...

Mas o grande problema é quando a música é ruim, daquelas que você nem gosta, nem da música, do cantor ou do estilo, mas acaba por ouvir como trilha de um filme, seriado, novela, ou porque insistem em tocar na rádio ou algum boçal passa tocando em toda altura no carro, e pronto, você está contaminado.

Com o tempo percebi que só há uma solução: cantarolar uma música boa, a fim de ir matando, substituindo lentamente o vírus auditivo da outra; em geral, quando percebo estar assim infectado, e graças aos céus tem sido cada dia menos vezes, começo a cantarolar “Gota d'água” do Chico. “E qualquer desatenção, faça não...”

Dia desses, um conhecido me falava que está sempre com uma música na cabeça mas que isso era normal uma vez que várias pessoas comentavam com ele que também a tinham, não falei do meu caso, visto que é normal também (risos). E elas realmente estão sempre ali, me acompanham, como se uma trilha sonora estivesse a tocar por meus caminhos. Se for ao Rio de Janeiro, por exemplo, a trilha será sempre Marina, que antes de ser Lima era sempre a trilha sonora da cidade e está impregnada por toda a paisagem da zona daquele (bem) amarrotado, mas ainda belo, cartão postal.

E assim como ela, músicas que falam sobre lugares, cidades, praias, estradas, rios, vão fazendo fundo ao passar por eles, à sua simples menção, e assim se perpetuam, sendo muitas nas vozes de meu pai, que cantava, de minha mãe, tias e amigos que as cantarolavam.

Se Glauber tinha sempre uma ideia na cabeça, eu que não as tenho assim tão geniais, estou sempre com algum pensamento e não entendo quando uma pessoa diz que não estava pensando em nada. É possível? Bem, se não estou a pensar em nada, estou com uma música na cabeça, e então... estava sim a pensar. A cantar mentalmente, canto, logo sinto.