sexta-feira, 11 de março de 2016

E livrai-nos de todo o mal...

      Em algum lugar li, ou ouvi, já não sei dizer, não retive o suporte, só guardei a informação: “O mal não é maior que o bem, ele é apenas mais ruidoso.”
      Tudo leva-me a crer que é verdade, afinal, o bem é discreto, não gosta, ou ao menos não sente necessidade da propaganda. Talvez porque num livro mundialmente muito aceito, chamado Bíblia, a que alguns acrescentam a palavra sagrada, em algumas de suas passagens alerte que para se fazer o bem, pelo menos na forma de caridade, não se deve fazê-lo com o intuito de buscar glórias e reconhecimentos. 

      Já o mal talvez seja tão ruidoso porque nunca se sacia. O ódio nele contido fermenta e cresce sem limites. Como um câncer. Afinal o que é o câncer senão o descontrole, um crescimento sem limites de células podres? Assim também é o mal, aqueles que desejam o mal dos outros jamais se satisfazem, uma pequena maldade que deu certo e já estão a arquitetar a próxima: uma fofoca, uma puxação de tapete, qualquer ato que possa tirar um pouco o sossego da vítima. Aos olhos desses pequenos carrascos, ainda por cima, a vítima é sempre ele mesmo, o outro é sempre o culpado por seus males, sejam eles quais forem. E com vorazes apetites de vinganças seguem em seus planos de perturbação; se não os executam, fomentam outros, ou como serpentes que vivem do próprio veneno, segregam vibrações negativas em direção ao outro sem perceber que chafurdam eles mesmos nesse denso e enxovalhado caldo. A mais das vezes, nada ganharão com aquilo, é apenas o prazer de fustigar o outro, de fazê-lo perder tempo, paz, sono, saúde.

      Mas se Freud não explica, explico eu novamente, pois já o disse em outros textos nesse mesmo canal: tem gente que é tão infeliz que só consegue sentir-se um pouquinho melhor quando vê o outro infeliz.

      E como o assunto é mesmo pesado, termino uma frase lida, há mais de década, na camisa de um rapaz, em Barreiras – BA, atribuída a um espírito de nome Joana de Angelis: “O mal que me fazem não me faz mal. O que me faz mal é o mal que faço aos outros porque me torna um homem mau.”

      E ainda em tempo, retomo, na forma de vibração a você que me lê, o texto final sempre presente nas saudosas cartas que outrora recebia de Sophie Symarc:

     “Que nem um mal o (a) atinja.
      Que nem um mal o (a) atinja.
      Que nem um mal o (a) atinja.”


Foto: Djair – O representante do mal sob os pés do representante do bem (S. Miguel Arcanjo. - Igreja de São Gonçalo Garcia – Penedo – AL.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Os risos e as lágrimas de D. Dalma

Nunca conheci ninguém de riso mais fácil que o de Dásia, a quem chamamos: Dona Dalma, pois é “tão boa e dá manga pra nóis”, mas o caso das mangas é para outro dia, que hoje o caso é sério.

Pode até haver quem ria tanto quanto ela, porém, rir mais do que ela será difícil; com tudo e por tudo ela ri. Ela ri, não sorri, não se trata apenas daquela suave curvatura de lábios para cima que apenas insinua um pequeno contentamento, como muitos esboçam à guisa de discrição, mas um riso largo, solto, frouxo, altissonante, acompanhado de levantares de queixo, abaixados de cabeça, curvatura de tronco, para cima, para baixo, movimentos de braço, fechar e abrir de olhos; sim, ela ri, ri com todo o corpo, ri inteira, ri com a alma. Se a alegria tem um formato, é o formato de D. Dalma.

Todavia, boa pulsatilla* que é, chora com a mesma facilidade com que ri. Passa do riso às lágrimas e das lágrimas ao riso mais rápido que os olhos possam acompanhar. Quando você começa a se condoer com o causo triste que ela conta entre lágrimas, eis que ela dá uma gargalhada e conta o momento alegre que viveu com a mesma pessoa pela qual estava em pesar.

Já entrada em anos, nos conta ela, rindo, e antes de ir ao urologista, que agora está com um problema seríssimo: “_Quando não estou chorando, eu tô rindo, e quando eu dou risada eu faço xixi. Hoje mesmo já troquei de calcinha quatro vezes.” E é um sofrimento, continua ela: “_Se eu rio faço xixi, aí eu choro porque é uma coisa triste, mas como também é engraçado eu dou risada e aí eu faço xixi.” E gargalha com a própria sina.

Mas noutro tempo, distante temporalmente, mas que na memória está bem ali, mais próximos que muitos momentos recentes, D. Dalma, mocinha de tudo, foi estudar em Belo Horizonte. Havia de cursar pedagogia e como faculdade só era na capital, lá fora ela morar “com meu irmão Luciano”. Na cidade grande ela se encantava com tudo, como sempre se encantou na cidade miúda, na roça, ou mais tarde na Europa. Pois se há coisa que seus olhos veem melhor é a beleza das coisas.

Pois muito bem, antes que o texto se alongue por demais, e canse o leitor, pois sou suspeito, enquanto o escrevo, o encantamento com a personagem faz vagar. E o fogacho da narrativa se dispersa aqui e ali. Então, vamos acelerar...

Já instalada, Dalma, que ainda não era Dona, tomou como tarefa sua comprar pão e leite para o café da manhã, enquanto tia Dedê passava o café na capital do mesmo jeito que passava na roça, em coador de pano e com todo amor do mundo.

E lá ia Dalma, cantando baixinho pelo caminho até a padaria, ia olhando a tudo, e sorrindo satisfeita com o mundo e consigo mesma. Olhava, ria, cantava, seguindo o rumo, e invariavelmente, já que a padaria era pertinho e ficava no final da quadra seguinte, ela passava em frente a uma dessas casas chiques do Savassi**, onde estavam ali diariamente, em frente ao sobrado, um motorista uniformizado que polia o carro ou apenas observava o mundo, encostando-se nele, e uma babá que ora empurrava um carrinho de bebê para frente e para trás, embalando a criança, ora o tinha ao colo, acalentando o pequeno. Nunca sorriam, nunca a cumprimentavam, “bom dia” então, nem pensar...

Pois muito bem, pensou nossa heroína, se eles não cumprimentam, vou cumprimentar eu. Vou dar bom dia pro motorista e vou falar pra moça: “Como vai?”, e vou brincar com aquele bebezinho. Oras, mas que gente mais mal humorada, mas eu vou acabar com isso.

E assim decidida, falou a seus botões: “_ É amanhã. Amanhã eu cumprimento aqueles dois e aperto a bochecha daquele menininho: gracinha!”

No dia seguinte, firme no propósito, enquanto tia Dedê colocava água no fogo para passar o café, que só de abrir a lata inundava a casa com seu aroma, lá foi ela cantando, sorrindo e com a ideia fixa. Dou bom dia aos dois e faço graça ao bebê. A pessoa não pode ser fechada assim não, uai!

Os avistou, foi se aproximando, chegando mais pertinho pra poder falar de perto. Os dois de lá, acostumados com a figura a passar pela calçada, não a estranharam; o motorista estava mais à frente e então seria ele o primeiro a receber o cumprimento com o sorriso de bom humor que o desconcertaria, pensou disposta!

A dois passos do moço, podendo olhar já em seus olhos que os mesmos a observavam pela estranheza de tanta proximidade, ela abre o seu maior sorriso, daqueles com todo o rosto, e de olhos bem abertos exclama em alto e alegre tom: “_Oi neném!!!”

Imediatamente, ela se dá conta do erro, abaixa a cabeça, encobre o corpo, põe a mão aberta sobre a boca, apressa o passo em linha reta e sem olhar para trás, ruma para a padaria. Meio que desnorteada de tanta vergonha, pensa consigo mesma: Dásia, Dásia, o que é que você fez, Dásia? Você tá louca? E antes de chegar na padaria já ria com a própria gafe, alternando a vergonha com a gargalhada.

Pois bem, ela continuou a comprar os pães diariamente pelos 4 anos do curso, mas desde então a padaria ficou mais longe, porque ela dava a volta por trás da quadra para nunca mais passar em frente à casa onde ficavam a babá, o bebê e o motorista!


Foto – Djair – Dona Dalma na janela da casa da roça.

*Pulsatilla – Medicamento homeopático o qual segundo a matéria médica homeopática é indicado para a pessoa que tem como característica rir e chorar ao mesmo tempo.

** Savassi – Bairro de Belo horizonte.