quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

E o cheiro persiste...

Naquele dia, no início da tarde, ela pegou o ônibus com destino à capital, levava o filho pela mão, tinha seis ou sete anos, não mais que oito. Apenas uma valise, voltaria no dia seguinte, ia apenas para a festa de casamento da prima, levava a roupa do filho e a dela, o vestido de festa e a lingerie nova, que tinha custado um rim, já que o vestido era decotado e deixava transparecer alcinhas e rendas da peça superior.
A festa deve ter sido boa afinal, deve ter comido à beça, e assim no dia seguinte lá rumava ela de volta à cidade onde morava, não chegavam a 400 quilômetros, mas o ônibus fazia um pinga-pinga por outras cidades antes de chegar ao destino, e assim, ai de quem precisasse fazer o tal translado em coletivos. Amargava-se umas 06 horas de estrada.
Mal o veículo partia e ela sentiu o primeiro sinal de que algo não ia bem, a pontada fina da cólica logo acima do umbigo a fazendo suar frio. Não, não havia banheiro no ônibus...
Para sua sorte, ela pensou, logo na saída da capital o ônibus parava num posto de combustível para pegar uma carga que levaria, e alguns passageiros. Aproveitando a pausa, deixou o filho ali, já que ocupavam os primeiros bancos, desceu pedindo ao motorista só um instante, e correu ao toillete. Chegando lá, a porta fechada... Alguém informou que precisava pegar a chave no caixa, correu pra lá, pediu, pegou e correu de novo ao reservado. Mal enfiou a chave na porta sentiu que era tarde, escorriam-lhe pelas pernas o que tinha comido na festa...
A calcinha, da festa, aquela cara, que ela usara pela primeira vez, ficou ali mesmo no cesto de papéis, e com papel higiênico ela tentava limpar coxas, pernas, flancos... O vestido, não sabia como ou por qual sorte não havia sido atingido. Na torneira, parcos pingos caíam, impossibilitando uma melhor higienização, o desespero que parecia não ter como piorar provou como sempre que o pior não tem limites: começou a ouvir a buzina do ônibus, que o motorista tocava com pressa e nervosismo, dando a entender que ela já devia estar de volta a seu assento há algum tempo. Limpou-se como deu, a meia calça que tinha na bolsa foi juntar-se à calcinha nova no cesto, aprumou-se, ergueu a cabeça e entrou no ônibus, pedindo desculpas ao motorista, desconfiada, envergonhada, vencida.
Mal o ônibus deu partida, janelas abertas, lá atrás alguém grita: _Motorista, estão peidando aí na frente!
Outro responde gaiato: _Peidando nada, tão é cagando mesmo!
Ela afunda-se na poltrona, sente o calor que acompanha o rubor nas faces, e continuando a máxima de que sempre se pode piorar, ouve do filho: _Nossa mãe, é você. Você tá fedendo...Eu não tô aguentando não, vou sentar lá atrás.
_Vai não, que aí é que todo mundo vai saber, pode ficar aqui comigo!
_Não mãe, eu não tô aguentando não, deixa eu ir lá pra trás.
_De jeito nenhum, pode ficar aqui.
E assim a pobre criança teve que ficar resguardada sob os eflúvios do que tinha sido um jantar elegante numa festa chique. Lá atrás, volta e meio, um manifesto em alto brado retumbante contra a emanação mal cheirosa, que era prontamente respondido por um e outro comentário em tom de chacota.
Duas horas depois, o ônibus faz sua parada para um café. Vencida, mas não derrotada, sentindo um certo alívio apesar de todo o desconforto, ela desce, pede ao filho que vá comer algo, entregando-lhe o dinheiro, e corre ao caixa, compra um sabonete, daqueles verdes, baratinhos, que era o que havia na parada simples da cidadezinha que pouco mais era que um povoado. Compra de uma vez três litros de água, sem gás, sem gelo, e no banheiro, lava as pernas como pode, mãos, braços, uma, duas, três vezes... Enfim termina, quando todos já estão subindo de volta ao ônibus. Pergunta se o filho comeu, esse diz que sim, para ela já não há tempo para sequer um café, compra mais uma água, dessa vez uma garrafinha, gelada, mas assim sem gás, pois o burburinho em seu interior ainda grande, não vai arriscar.
Sobe ao ônibus com a criança, num suspiro aliviado encosta as costas na poltrona, vira de lado e tenta sorrir para a criança que a olha e responde ao sorriso da mãe com um comentário: _Hummmm mãe, não adiantou nada, você ainda tá fedendo!

Foto: Djair